O tônus postural e o Rolfing
Nossa identidade não está apenas em nosso DNA. Ela está também na forma com que nos comportamos perante ao mundo interno e externo e, principalmente, na forma como nos movemos. Realizamos centenas, talvez milhares de movimentos ao longo do nosso dia e isso é parte do que nos define como indivíduos.
Temos padrões de movimento que repetimos constantemente e, sem percebemos, realizamos eles muitas e muitas vezes.
Nosso corpo cria “dobras” onde os movimentos se repetem enquanto os músculos se modificam para equilibrar nosso centro de massa, e estas dobras podem desenvolver dores sem que sequer saibamos de onde elas vieram ou muitas vezes culpamos aquele pequeno exagero de um passado próximo como o vilão daquela ferida. Porém cada parte de nós conta uma história, representa desgaste especial que construímos quando estamos em movimento.
Segundo LUSSAC (2009):
O músculo, mesmo em repouso, possui um estado permanente de tensão que é conhecido como tono ou tônus muscular. O tônus muscular está presente em todas as funções motrizes do organismo. Todo movimento se realiza sobre um fundo tônico e um dos aspectos fundamentais é sua ligação com as emoções. A boa evolução da afetividade é expressa através da postura, de atitudes, das condutas e dos comportamentos, incluindo as condutas e os comportamentos motores.
O tônus é importante na manutenção da postura, economizando energia e resistindo a um estiramento inesperado. Em Neurofisiologia, (KANDEL, 2003) a importância do tônus muscular reside nas várias funções associadas ao controle motor e estabilidade articular.
Kandell chama o tônus postural de estruturas “anti gravitacionais”, ou seja, a ativação muscular que gera força contra o chão, mantendo as extremidades estendidas e as mantendo estáveis no centro de massa do corpo.
Apesar existir um centro de massa comum a nós seres humanos, nossa individualidade estrutural, ou postural, faz com que ativemos diferentes músculos tônicos, ou seja, profundos, com características fisiológicas específicas de velocidade e resistência, de acordo com a forma que utilizamos nosso corpo e o posicionamento de suas partes em nossa estática e nossas necessidades de suporte.
Para nos mantermos em relação coerente em termos de suporte e gravidade, utilizamos 3 sistemas sensoriais de posicionamento: Visual, vestibular e proprioceptivo (alguns autores abrem este último sistema como háptico, como uma via de mão dupla e o interoceptivo, relacionado ao posicionamento mais profundo dos sistemas corporais e não com relação ao externo).
Os elementos elásticos e viscosos conferem ao músculo um comportamento semelhante ao de uma mola, permitindo armazenamento de energia em tarefas como andar ou correr, suavizando movimento súbitos, pois o músculo atinge o comprimento de equilíbrio de maneira gradual.
Com isso, pequenas instabilidades são contidas passivamente, diminuindo a necessidade de contrações musculares. Lance (1980) fala também sobre o tônus como o grau de ativação muscular antecedente ao movimento, ou tensão de repouso como base para contração, que seria neurologicamente modulado pelos centros controladores durante o planejamento do movimento, ao qual seria responsável pelo movimento do corpo durante a realização de uma tarefa, tal situação que também conhecemos como o pré movimento trazido por Hubert Godard (FRANK, 1995).
Para o Rolfista, o tônus serve de referência em vários aspectos: Quantidade de trabalho em uma determinada região;
- O quanto a hiper ou hipotonicidade de alguns músculos interfere no movimento e na postura;
- E principalmente como o conjunto destas estruturas interferem na postura como um todo.
Podemos entender, por exemplo, dentro do modo de ver de Jan Sultan, os padrões interno/externo, que dentro do padrão externo há uma hipertonicidade na musculatura dos rotadores de quadris e rombóides e uma hipotonicidade de quadríceps e adutores e peitorais, por exemplo.
Muito provavelmente, neste caso do padrão externo, estes tecidos hipertônicos necessitam de trabalho de toque e reorganização miofascial, para permitir o equilíbrio interno/externo.
Exemplo deste padrão externo é o cliente mencionado na questão sobre os pés, que devido seu posicionamento no padrão externo, dentre outros fatores, houve uma hiper tonicidade dos rotadores dos quadris, sendo necessário o trabalho do toque de liberação miofascial para suavizar o tônus da região. Junto de processo de trabalho com os pés, foi possível suavizar este excesso de tônus, que inclusive puxava outros tecidos, como o trato iliotibial e causavam dor no cliente devido a sobrecarga. Ao mesmo tempo houve um aumento de tônus dos adutores (linha medial das pernas) que inclusive ficaram ligeiramente doloridos no início do “uso” da musculatura, equilibrando assim a tonicidade entre adutores e abdutores e, consequentemente um melhor posicionamento das outras estruturas e da postura na relação com a gravidade.
Portanto, no toque, o tônus dos tecidos serve como indicador do caminho a ser trabalhado, onde o equilíbrio, a equalização das tensões e a diferenciação das partes são o caminho para a integração estrutural.
Logo, podemos concluir que o tônus é um indicador em vários meios, onde os tecidos contam a história e as emoções do corpo que ali está, da forma com que ele se situa na gravidade e no movimento. E também no toque como via de trabalho para se buscar o equilíbrio nas relações com a gravidade e o meio.
Referências:
FRANK, Kevin. Função Tônica. Rolf Lines: 1995.
KANDEL, Eric R. Principles of Neural Science. McGrawHill: 2013.
LUSSAC, Ricardo Martins Porto. O tínus muscular enquanto portador de significado: subsídios para a compreensão do todo como linguagem corporal. Revista digital de esportes: 2009.
NEWTON, Aline. Basic concepts in the theory of Hubert Godard. Rolf Lines: 1995.